quinta-feira, 29 de outubro de 2009

ARTIGO DO PROFESSOR MÁRIO GARDELIN




MÁRIO GARDELIN

Assessor para Assuntos de Povoamento, Imigração e Colonização da Universidade de Caxias do Sul



Recebo a incumbência de apresentar o livro de Floriano Molon intitulado A VIA SACRA DE GUIDO MONDIN. É verdade que há, neste livro, um trabalho e referências epistolares minhas. Trata-se, porém, de assuntos de ocasião. Esta apresentação, tanto quanto o permitam meus 78 anos bem vividos e fatigados, será escrita com o coração. Vou baixar os paus da mangueira e soltá-lo em campo aberto. E, por primeiro, falarei de como me relacionei com o meu multi-candidato e estremecido amigo Guido Fernando Mondin. Depois, tratarei de Floriano Molon. E por último da Via Sacra.

Recebi, no meu Colégio Murialdo, Ana Rech, Caxias do Sul, uma primorosa formação cívica. Em função dela, quando a 29 de outubro de 1945 o Presidente Vargas foi deposto e se recolheu à sua estância de São Borja, passei a interessar-me vivamente pela evolução política. Devo dizer que meu primeiro voto foi a 19 de janeiro de 1947; votei em Valter Só Jobim para Governador. Participei da campanha eleitoral municipal em que Guido Fernando Mondin foi candidato a Prefeito. Depois de um comício, apresentei-me a ele. Dei-lhe um grande abraço e a certeza de que suas idéias e as minhas combinavam perfeitamente. Minhas relações com ele, entretanto, tornaram-se mais constantes e profundas a partir do momento em que passei a trabalhar no semanário O Pioneiro. Desde seus primeiros números, nele Mondin publicava magníficas colaborações. Essas relações tornaram-se pessoas com a minha transferência para Porto Alegre, onde passei a trabalhar na Texas Co. Foram meses de intenso aprendizado. Aproveitei para fazer vestibular na PUC. Fui bem. Não dei continuidade a meus estudos, que só os retomei na Faculdade de Filosofia de Caxias do Sul, onde me formei.

Guido Mondin trabalhava na FARSUL, pintava, lia e fazia poesias. De tudo isto, em nossos encontros, me falava com detalhes. Foi uma iniciação, que seria de grande valia, quando passei a integrar a Câmara de Vereadores de Caxias do Sul. E de valia cultural, pois estava-se aos tempos em que Carlos Reverbel projetava nova luza sobre o Rio Grande do Sul, divulgando trabalhos inéditos do Capitão da guarda Nacional João Simões Lopes Neto.

Creio ter sido nessa época, que Guido Mondin me contou um fato curioso, acontecido com ele, à noite, em seu atelier. Recebera a incumbência de pintar um retrato de um patriarca de bela família. Dele restara, entretanto, apenas um pequena fotografia, maltratada pelo tempo. Mondin logo percebeu que os familiares do homenageado esperavam dele uma miraculosa proeza de arte, que retratinho inicial não poderia proporcionar. Pensou muito no assunto.

O atelier tinha uma cadeira à frente; a tela, imaculadamente branca, estava posta em posição perfeita em relação à cadeira. A porta da sala estava fechada. Mondin reduziu a iluminação local. E eis que a porta se abre, um homem alto, de barbas imponentes, trajado à gaúcha, entrou e foi assentar-se na cadeira. Mondin não se fez perguntas e nem saudou o austero visitante. Pronto o quadro, o patriarca ergueu-se e a passos solenes retirou-se.

Que segredo esconde esse fato? Creio que a ciência pode explicá-lo. Mondin assenhoreou-se dos traços da pequena fotografia, absorveu-os e na quietude do atelier, numa noite de sossego, projetou-a mentalmente em sua frente, operando-se a materialização. Quanto ele me contou essa ocorrência, limitei-me a achar o fato fora do comum. Já me referi, por escrito, a ele. Acho, porém, que ele merece figurar no livro do meu caro Floriano Molon. Finalizarei dizendo que os descendentes do patriarca ficaram estupefatos. E evidentemente muito felizes.

De Mondin recebi um pedido: fotografar a cores nossa esplendente natureza, para servir-lhe de informação em seus quadros. Ele era um entusiasta da beleza de nossa serra.

Dele, tenho em minha biblioteca um retrato que me representa por essa época. Resistiu ao tempo e às boladas de meus três filhos, que, quando eu não estava em casa, se divertiam alvejando-a . Antes de escrever estas linhas, fui observar a obra de arte. Contemplei-a fixamente. Esboçou-se nele, em meu rosto e nos lábios, um sorriso que não sei se é de ironia ou de minha distantíssima mocidade. Para mim basta que ele seja uma lembrança e uma presença perene de um grande homem.

De Floriano Molon o leitor encontrará os dados precisos. Quanto a mim recordo-o naquele cenário que passei a apreciar, quando, com meu avô materno João Dall’Alba, ia à missa dominical na Igreja de Flores da Cunha, aos tempos em que chamava Nova Trento. Deslumbrava-me o caminho entre a nossa Capela de São Valentim e a cidade. Mais tarde, em função do Pioneiro, passei a vivenciar a beleza de toda a nossa região e de modo especial Otávio Rocha. Colaborei com Floriano, e sentia-me feliz em vê-lo tão entusiasta. Participei de Festas em Otávio Rocha, saudadas por um poderoso canhão. Entusiasmei-me com o titular da comunidade, o Tenente-Coronel Graduado Dr. Otávio Francisco da Rocha. Propus à Câmara de Vereadores de Caxias do Sul a denominação de uma rua com seu nome. Localizei literatura dialetal, contestando sua presença na política. Era um documento de ocasião, sem maior valor.

Apreciei todas as obras que Floriano Molon produziu. Trata-se de uma bagagem consagradora.

E, por fim, cabe-me falar da Via Sacra. Como premissa, recordo-me de algumas conversas que tive com Guido Mondin, a respeito da Via Sacra de Aldo Locatelli, existente na Igreja se São Pelegrino. É que, por mercê do Padre Eugênio Ângelo Giordani, por dezenas de anos fui Tesoureiro da Associação Cultural Aldo Locatelli. Foi um posto invejável pelas informações que pude colher. Guido Mondin estudou a realização de Locatelli. Interpretou a narrativa evangélica. O leitor encontrará considerações que expus em artigo adiante transcrito. Ao finalizar meu trabalho, indaguei: “Teremos nós o privilégio de um dia vê-la em alguma de nossas igrejas ou em algum de nossos museus?” É evidente que igreja e museu são lugares aptos para guardar uma grande obra de arte.

A Via Sacra, porém, e muito mais do que uma obra de arte. Representa a humanidade de Cristo, transfigurada pela sua divindade. Ele é submetido a padecimentos que homem algum jamais suportou. Ele é o homem perfeito, o rei da criação, o ápice de tudo quando é belo, bom e verdadeiro. Tem, portanto, uma capacidade de sofrimento máxima. E isso constitui o sacrifício expiatório, por todos os pecados dos homens, desde Adão e Eva.

Coube à nossa Otávio Rocha hospedar a Via Sacra. Digo hospedar porque se trata de uma obra viva, capaz de irradiar amor redentor. É uma grande obra de arte, sem dúvida. É, também, em sua máxima expressão, uma visão de Cristo no caminho e na morte na cruz. É uma visão que pressagia a ressurreição gloriosa de todos aqueles que, conhecendo o amaram, e de todos aqueles que viveram centenas de milhares de anos antes que viesse ao mundo. E que amaram o próximo, através de atos de caridade, sendo pelos méritos desses atos conduzidos à glória eterna. Feliz és, ó bela Otávio Rocha, por teres esplêndido tesouro.

Caxias do Sul, 3 de dezembro de 2005, dia de São Francisco Xavier.

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